Recusa da vacina e demissão por justa causa – Por Rita Cortez

Em dezembro de 2020, no julgamento conjunto das Ações Diretas de Inconstitucionalidade 6586 e 6587, o STF decidiu que os Estados podem determinar aos cidadãos a vacinação compulsória contra a Covid-19, em prol da saúde coletiva. 

As medidas de restrição aos que recusam a tomar a vacina estão previstas na Lei 13.979/2020, que autoriza o governo estadual a aplicar multa, impedimento de frequentar determinados lugares e fazer matrícula em escolas. Porém, não é possível o uso da força para compelir os cidadãos a tomarem a vacina.

O caso abre debates sobre o direito individual e o direito público, predominado, nesta situação, o direito público, ou seja, a coletividade supera o individual, segundo o STF. Em torno deste tema, surge o questionamento se o empregado corre o risco de ser demitido por justa causa se recusar a imunização.

O caso envolvendo uma auxiliar de limpeza do hospital de São Caetano do Sul, em São Paulo, que foi demitida por justa causa em razão da recusa infundada de tomar a vacina, foi a segunda decisão recente que debateu este assunto. O TRT da 2º Região considerou lícita a demissão, ponderando que, entre o interesse pessoal do empregado e o direito coletivo, vence o segundo, diante do considerável número de casos e mortes pela Covid-19, existindo informações suficientes sobre o risco da doença.

Vale ressaltar que o Tribunal levou em consideração as diversas campanhas de conscientização dos trabalhadores da empresa da área de saúde, havendo a adoção de um protocolo interno para o combate a COVID-19. Porém, por mais de uma vez, a funcionária recusou-se a tomar vacina e, mesmo sendo advertida, não justificou o motivo da recusa.

Por não ter atendido a ordem direta da empresa para tomar a vacina, e não ter justificado a demissão por justa causa, ocorreu por ato de indisciplina, com fundamento no artigo 482, h, da CLT:

Art. 482 – Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador:

h) ato de indisciplina ou de insubordinação;

Ainda que, diante da proteção da saúde coletiva, o direito da coletividade (proteção dos trabalhadores da empresa) possa prevalecer sobre o direito individual, levando ao entendimento de que a recusa à vacinação (direito subjetivo de não se vacinar) não pode ser manifestação de vontade aceitável na relação de trabalho, é princípio no direito do trabalho, não só a gradação das penas, em razão das faltas disciplinares cometidas, mas a opção pela aplicação da menos gravosa.

A não observância da escala crescente de medidas punitivas, por exemplo, pode ferir o princípio da proporcionalidade entre o ato faltoso e a pena máxima, levando a reversão da justa causa aplicada.

Por sua vez, inexiste a possibilidade de que o exercício do poder disciplinar do empregador recaia ao universo de condutas de caráter exclusivamente pessoais, familiares, sociais ou políticas, ainda que a obrigatoriedade da vacinação possa se transmudar numa obrigação contratual.

Por fim, o Ministro Maurício Godinho ensina que a gravidade da infração “é um dos requisitos de maior relevância quando da aplicação de uma medida disciplinar pelo empregador. Não é um requisito absoluto, evidentemente, mas influencia de modo relevante no exercício do poder disciplinar”.

O caráter pedagógico do exercício do poder disciplinar é um dos requisitos para que se observe a gradação das penas ou ainda para que haja opção pela penalidade a ser aplicada.

Decretar-se a suspensão do contrato de emprego enquanto o empregado não comprovar que foi vacinado, ou ainda rescindir simplesmente o contrato, poderiam ser alternativas.

Não há maior punição para um trabalhador, em tempo de crise, que a perda do próprio emprego. Rescindir o contrato sem justa causa, afastando o trabalhador do emprego motivado na necessidade de retirá-lo do convívio com os demais trabalhadores, ao nosso ver, seria uma punição não só severa, como didática.

Apesar do TST não ter se manifestado sobre o tema, a decisão do TRT da 2ª Região abre precedentes para a demissão por justa causa aos trabalhadores que recusam a vacina, porém, esta decisão não é vinculante, podendo haver entendimento diverso.

Em qualquer hipótese, recomenda-se tomar cuidado para que não haja distorções, principalmente no cumprimento de orientações educativas sobre a necessidade da vacinação, para combater a propagação da doença.

A polêmica certamente irá prosseguir, mas o melhor caminho será sempre a do esclarecimento e convencimento do trabalhador, ademais da busca de alternativas menos gravosas no tratamento das infrações trabalhistas, que encerrem condutas estritamente sociais ou políticas. 

*Rita Cortez é advogada e sócia do escritório AJS – Cortez & Advogados Associados