Com base nas alterações legislativas surgidas em razão do atual estado de calamidade pública e da pandemia do Covid19 (MP nº 936/2020 – atualmente convertida na Lei n° 14.020/2020), inúmeros empregadores vêm promovendo redução salarial de seus funcionários, mediante acordo individual.
A referida Lei que implementa o Programa Emergencial de Manutenção do Empregado e Renda, entre outras previsões, permite redução do salário do trabalhador nos percentuais de 25%, 50% e 70%, por até 90 dias, devendo ser observado, para tanto, requisitos específicos previstos na legislação.
Antes de tudo, é importante destacar que é um direito fundamental do trabalhador a irredutibilidade salarial, conforme previso no artigo 7º, inciso VI, da Constituição, que reforça expressamente a tese de vedação de retrocesso social, ao indicar que os direitos nele previstos visam à melhoria da condição social do trabalhador, e não o reverso.
Antes da referida lei, não era possível o trabalhador, através de acordo individual, negociar a redução do seu salário, o que poderia ser feito somente por convenção ou acordo coletivo, que devem observar requisitos formais e materiais para o ato ser válido (inciso XXVI do artigo 7º). Neste sentido, o artigo 611 e o § 1º do mesmo artigo, previstos na CLT, preveem que o acordo coletivo, tanto quanto a convenção coletiva, pressupõem a participação dos Sindicatos representativos de categorias profissionais.
Aliás, na forma do artigo 8º, inciso VI, da Constituição, é obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho. Inexistindo instrumento de negociação coletiva, autorizando a redução salarial, esta será considerada ilícita.
Dos termos dos dispositivos destacados, extrai-se que é fundamental a negociação, mediante norma coletiva, para qualquer alteração que venha a reduzir os salários de quem que compõe a categoria protegida pelos Sindicatos de classe.
Além disso, em certas categorias de trabalhadores, existe convenção coletiva com cláusulas específicas que impedem a redução salarial, o que reforça o entendimento de que a participação do sindicato nos acordos coletivos é fundamental.
Diante desta falta de suporte legal e constitucional da redução do salário, prevista na Lei 14.020/2020, foi proposta a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6.363, que se encontra em trâmite no Supremo Tribunal Federal. Em um primeiro momento, houve decisão liminar que acolheu em parte o pedido. Porém, o plenário da Corte não ratificou a decisão, estando atualmente a Lei presumidamente constitucional até a decisão final do STF.
Apesar do STF ainda estar analisando a matéria, algumas jurisprudências dos Tribunais do Trabalho vêm constatando a ilicitude de acordos individuais de redução de salários, diante da ausência de convenção ou acordo coletivo, e por não observarem os requisitos dispostos na lei 14.020/2020, como é o caso da decisão da 7ª turma do TRT da 3ª região.
Na sentença, foi reafirmada a previsão constitucional que expressamente prevê a obrigatoriedade da participação do Sindicato nas negociações coletivas. E que a empresa ré desrespeitou o preceito legal e constitucional de participação obrigatória do sindicato, ao firmar acordos individuais com os empregados para redução do valor dos salários.
Além disso, foi comprovado que a reclamada não reduziu proporcionalmente a jornada dos empregados, mantendo-os trabalhando em jornada normal, mas com os salários reduzidos, descumprindo os requisitos estabelecidos na Lei 14.020/2020. Em decorrência disso, os trabalhadores não puderam contar com o recebimento do “Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda” oferecido pelo Governo Federal.
Neste sentido, a empresa foi condenada a efetuar a recomposição dos salários dos empregados, substituídos na ação pelo sindicato, e a pagar a cada um deles as diferenças salariais, parcelas vencidas e vincendas, a partir de março/2020 até a efetiva recomposição, respeitadas as condições estabelecidas nas convenções coletivas. Também foram deferidos os reflexos das diferenças salariais em férias, 13º salários, FGTS, indenização de 40% sobre o FGTS e aviso-prévio, observada a situação de cada substituído.
Frisamos que preservação do salário constitui um dos direitos fundamentais do trabalhador; tanto que motivou o legislador destinar dispositivo específico para tratar do assunto, do qual a doutrina trabalhista retirou o princípio da intangibilidade salarial; e a Constituição a classificar como crime sua retenção dolosa (artigo 7º, X).
A alegada dificuldade financeira não escusa o empregador de cumprir as obrigações trabalhistas, porquanto ele tem o dever de proporcionar os meios de realização da atividade econômica, suportando os riscos dela decorrentes (CLT, art. 2º), o que inclui, por suposto, o adimplemento dos salários dos empregados que lhe prestam serviços.
No caso de redução salarial, o trabalhador deve ficar atento, principalmente, no caso de acordo individual. Qualquer “acordo” sem a participação do sindicato representante da categoria profissional, e sem observar os requisitos da Lei 14.020/2020, pode não possuir validade para materializar a redução salarial.
*Por André Henrique, advogado do escritório AJS – Cortez & Advogados Associados