O Tribunal Regional do Trabalho (TRT) determinou o arresto de R$ 95 milhões para pagar funcionários da área da saúde que foram contratados por Organizações Sociais (Oss) e que estavam sem receber há mais de três meses.
São pelo menos 15 mil profissionais da saúde que contemplados na ação, como enfermeiros, médicos, técnicos de enfermagem, assistentes sociais, psicólogos e motoristas das ambulâncias do Samu, entre outros.
Muitos destes profissionais atuaram na linha de frente no combate à Covid-19 e, em razão do vírus, perderam suas vidas sem ter a chance de receber integralmente sua remuneração pelo seu trabalho. Agora, o pagamento irá ser destinado à família destes trabalhadores.
A determinação judicial teve origem na ação de Dissídio Coletivo iniciada com participação do Sindicato dos Enfermeiros do Rio de Janeiro, que conta com apoio jurídico da AJS Cortez & Advogados Associados.
Entenda o caso:
No dia 23 de julho de 2020 foi iniciada greve dos profissionais da saúde, com 50% dos trabalhadores trabalhando. Outros 50%, com escala de revezamento.
As reivindicações eram pelo imediato pagamento integral dos salários atrasados; pela garantia de pagamento em dia dos salários, férias e 13º salário vincendos; pela regularização do pagamento do Vale Transporte e Alimentação atrasados; pela regularização dos profissionais com contratos precários ou sem qualquer tipo de contrato de trabalho.
A greve foi a alternativa que os Sindicatos representantes dos enfermeiros e auxiliares de enfermagem adotaram diante da falta de suporte da Secretaria de Saúde para regularizar a situação. Vendo que não seria possível o acordo, e para impedir o agravamento da saúde pública fluminense, os sindicatos se uniram para instaurar na justiça trabalhista a ação de Dissídio Coletivo.
Para quem não sabe, de forma geral, a ação de dissídio coletivo é o nome dado ao processo ajuizado pelas entidades sindicais, federações ou confederações representativas da categoria, para que o judiciário intervenha quando frustradas as tentativas de solução amigável de conflitos que envolvam interesses coletivos dos trabalhadores como, por exemplo, as condições de trabalho e de salário[1].
Portanto, a ação busca, através da mediação e conciliação, solucionar a questão da regularização do salário e demais verbas trabalhistas, sendo competente para dirimir o conflito a Seção Especializada em Dissídios Coletivos (Sedic), presidida pelo desembargador Cesar Marques Carvalho e vice-presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (TRT/RJ).
Ao longo do processo foram realizadas dez audiências de conciliação telepresenciais pelo Sedic e que contaram com a participação do advogado da AJS, Caio Gaudio.
Nas primeiras audiências realizadas, foi informado pelo Estado do Rio o repasse de algumas verbas para o pagamento dos funcionários contratados pelas OSs, porém, os valores ainda não eram suficientes para o abranger todos os trabalhadores contemplados na ação [2].
A crise política deflagrada no âmbito do Poder Executivo estadual nos meses de setembro, ensejou sucessivas trocas de responsáveis nos órgãos do executivo. Estas mudanças na Secretaria de Saúde do Estado do Rio de Janeiro impediram o governo de manter o seu compromisso firmado nas audiências anteriores, sendo informado pelo representante da secretaria de saúde na audiência do dia 19/10 que não seria mais realizado os depósitos, por determinação do novo Secretário de saúde do Rio de Janeiro.
Diante da recusa no repasse dos valores, o Ministério Público do Trabalho, sob argumento de se tratar de um direito fundamental que não pode ser suprimido, principalmente pelas circunstâncias atuais da Pandemia do Covid-19, requereu o bloqueio de quantia que já havia sido autorizada, mas que ainda não tinha sido paga pelo estado.
Também foi solicitado na audiência que as organizações sociais apresentassem os valores em aberto para ser apurado o total devido aos profissionais da saúde abrangidos pela ação. O requerimento do MP foi deferido em audiência pelo desembargado presidente, que também determinou que o Estado exibisse os valores existentes nas contas do governo.
O Estado do Rio recorreu da decisão ao próprio TRT/RJ através do recurso denominado “agravo regimental”, mas foi negado por unanimidade pelos desembargadores da Seção Especializada em Dissídios Coletivos do TRT/RJ.
Em suma, o entendimento foi que decisão do bloqueio foi justificada diante da posição da Secretaria de Saúde em não iria mais viabilizar os pagamentos dos salários dos profissionais de saúde através de depósito judicial.
De acordo com desembargador relator do acórdão, a decisão de bloqueio visa, sobretudo, “minorar os efeitos de grave crise da saúde pública estadual, num momento excepcional de pandemia, garantindo os direitos básicos dos trabalhadores da linha de frente do Covid-19 e a população mais carente, usuária de atendimento público”.
Em razão da confirmação do órgão colegiado do TRT, foram apresentados os cálculos salariais atualizados para viabilizar a correta destinação aos trabalhadores que ainda não receberam suas verbas trabalhistas, chegando ao valor final de R$ 95 milhões reais.
Como o governo não garantiu o pagamento, houve a determinação na audiência do dia 14 de dezembro do bloqueio nos cofres do Estado para depósito judicial a fim de que seja feito o repasse aos trabalhadores.
Contudo, a Seção Especializada em Dissídios Coletivos do TRT/RJ confirmou que a medida de bloqueio pode ser objeto de recurso aos Tribunais Superiores (TST e STF). Na próxima audiência, que está marcada para amanhã dia 18/12, será discutido o cumprimento do mandato e definirá como será realizado o depósito na conta dos funcionários.
[1] No caso de greve pode ser também instaurado a ação de dissídio coletivo pelo Ministério Público do Trabalho, conforme previsão do artigo 114, §3º da Constituição Federal.
[2] Veja as notícias das audiências primeiras audiências realizadas no Sedic através dos links abaixo: