DA JUSTIÇA SOBRE RODAS À TRANSFERÊNCIA DAS VARAS TRABALHISTAS para ZONA OESTE (vertentes de uma ótica distorcida de ampliação do acesso à Justiça do Trabalho).

    Não suficiente os graves problemas oriundos da implantação do PJE no TRT do Rio de Janeiro, começou a circular, não faz muito tempo, a notícia que algumas Varas do Trabalho seriam transferidas para a Barra da Tijuca, zona oeste da cidade, como proposta de descentralização dos órgãos da Justiça do Trabalho. A zona oeste, segundo informações extraídas da “tribuna on line da OAB/RJ”, desta semana, teria sido eleita em razão do aumento do número das demandas trabalhistas naquela área, representando 25% da distribuição de ações na JT, ou seja, cerca de 200 mil dos 800 mil processos existentes.
    O Presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, convocou uma audiência pública com os advogados, para o dia 26 de junho, às 11 horas, na Casa do Advogado (próxima ao prédio da Justiça na rua do Lavradio) e convidou o Presidente do TRT da 1ª Região, Carlos Araújo Drumond, com quem “a proposta” teria sido discutida desde abril deste ano.
    Parece-me, de pronto, que algumas indagações estão por merecer esclarecimento na audiência. Quem foi o autor da proposta de descentralização? Porque na zona oeste que compreende os bairros de Campo Grande, Santa Cruz, Realengo, Deodoro, Bangu, Recreio, Vargem Grande, Guaratiba, apenas para citar alguns mais populosos, o local escolhido para instalação foi a Barra da Tijuca? Qual foi o referencial usado para se chegar ao resultado do crescimento estatisticamente apontado? O mesmo levantamento foi feito em outras regiões na comarca do Rio de Janeiro?
    Independentemente das respostas e louvando a iniciativa do Presidente da Seccional de ouvir os advogados trabalhistas em reconhecimento que a proposta é, no mínimo, polêmica, confesso que me causou certa estranheza afirmações no sentido de que a descentralização das varas da Justiça do Trabalho proporciona melhorias no desempenho de suas funções jurisdicionais, além de ser facilitadora da ampliação das condições de acesso pela população, tornando-a, consequentemente, mais dinâmica e democrática.
    Os advogados, no exercício da assistência judicial que prestam à sociedade, são elementos fundamentais de acesso do cidadão ao poder judiciário e, neste conceito, consagrado em dispositivo da Constituição Federal, reafirma-se a relevância do nosso papel social. Portanto, a ótica imposta no exame de propostas de aperfeiçoamento da tutela jurisdicional, como a da descentralização, deve ser esta.
    O exercício da advocacia trabalhista tem particularidades que, por sua vez, são reflexo da própria tipicidade do direito e do processo do trabalho. A adoção do modelo centralizador dos órgãos jurisdicionais é mera consequência deste traço diferenciador. Não podemos admitir, ainda que em tese, que o deslocamento de inúmeros profissionais estabelecidos nas proximidades do local da sede do Tribunal da Primeira Região, desde a sua fundação, trará benefícios à assistência judiciária prestada. Os roteiros, os caminhos e a história desses profissionais especializados, portanto, não se confundem com as dos advogados de outros segmentos e, por isto, não são joios do mesmo trigo.
    Por sinal, tal circunstância me leva a pensar que mudanças na estrutura de escritórios transformando-se em grandes empresas, a massificação da advocacia que passa a prestar serviços de varejo com enorme perda da qualidade do trabalho desenvolvido, são alguns fenômenos que sugerem estudo e exame mais cuidadosos por nossos órgãos de classe.
    Retornando ao aspecto do acesso da população ao poder judiciário, que não pelo viés da advocacia como instrumento imprescindível a sua concretude, estabelecer como critério o aumento das demandas contra empresas, indústrias e prestadores de serviço na zona oeste, para se acatar propostas de descentralização, parece ser uma opção equivocada.
    Seguindo o princípio de se privilegiar a parte mais desfavorecida na relação processual, para se fixar a competência jurisdicional dos órgãos da Justiça do trabalho, no nosso caso, o parâmetro da tutela é o trabalhador; o empregado.
    Nas varas da Justiça comum (CPC) e nos Juizados Especiais (lei 9099/99) prevalece o entendimento que a competência das Varas deva ser fixada segundo o domicílio da parte. Nos juizados especiais que envolvem causas de pequeno valor é a do domicílio do autor no pressuposto que o desequilíbrio social na relação jurídica em conflito pesa a favor de quem demanda naqueles juízos, favorecendo-se, desta maneira, a população mais pobre. Na justiça do trabalho, desde a sua criação, a competência é determinada em razão da localidade onde o empregado presta serviços, ainda que tenha sido contratado em outra localidade, podendo optar, quando o empregador mantenha atividades em mais de um local, pelo da prestação dos serviços ou do contrato. É o que diz o art. 651 da CLT. O referencial na Justiça do Trabalho, inclusive em virtude do “jus postulandi”, é onde a população trabalha, favorecendo o acesso ao judiciário pelo critério da localidade onde o trabalho estaria sendo prestado.
    Com o término da estabilidade no emprego, transformando o Judiciário Trabalhista numa Justiça de desempregados, não é preciso obter dados estatísticos para afirmar que a maioria absoluta das demandas somente surge, desde então, depois de rescindido o contrato ou extinta a relação de trabalho. Não estando mais no local de trabalho pela perda do emprego, o crescimento econômico da zona oeste, gerando o alegado aumento de demandas trabalhistas, não significa que o deslocamento das varas para aquela região irá proporcionar ao trabalhador maior e melhor acesso à Justiça.
    Imaginem um empregado que trabalhou no shopping da Barra, mas reside na baixada fluminense, ter que se deslocar da sua residência até uma Vara do Trabalho, notadamente, com as deficiências de transportes e com as obras que se realizam naquela localidade?
    Julgo ser irreal dizer que os trabalhadores que prestaram seus serviços na zona oeste, no quadro estatístico apresentado, isto é, que todos os trabalhadores demandantes (nos 25% de aumento da demanda) estão residindo naquela região e que as varas lá instaladas é a melhor maneira de lhes garantir acesso.
    Constatada que a realidade não é esta (e não é) não podemos justificar que esta circunstância seja desconhecida pela administração do tribunal ou por quem nela atua e que os únicos beneficiados nesta proposta serão os escritórios estabelecidos naquela região (e que, provavelmente, diante dos setenta anos de tradição de centralização, não são especializados preferencialmente no segmento trabalhista); os magistrados que porventura residam naquela localidade; ou os próprios empregadores estabelecidos na barra da tijuca.
    Isto tudo sem falar que a proposta da descentralização, com remoção de varas do trabalho, está sendo objeto de apreciação em meio ao caos da implantação do PJE – JT. Isto só pode ser um pesadelo.
    Com tantas outras ideias para que haja avanços qualitativos da atividade jurisdicional prestada pela Justiça do Trabalho no Rio de Janeiro e de melhorias do desempenho da advocacia trabalhista, a proposta de descentralização, sob todos os ângulos que se analise, soa demagógica e exótica. Faz-me lembrar daquele projeto da justiça do trabalho sobre rodas que, como era de se esperar, não deu certo e acabou no exato momento em que sepultamos o tempo de uma administração judiciária de feitos pirotécnicos.
    Alguém já disse algum dia o seguinte: “nunca desista. Quando se aprende com ele, o erro é apenas uma parada no caminho do acerto. Erre melhor da próxima vez.”. Em períodos de PJE-JT e de sérios problemas identificados, mas não resolvidos, não podemos nos dar ao luxo de errar mais uma vez. Por este motivo e como associada da ACAT, penso que nossa associação deva comparecer na audiência pública convocada pela Seccional e após coletada a opinião de outros filiados, diretores e conselheiros, conclua por defender posição contrária à proposta.
RITA CORTEZ
Advogada (que tem moradia na Barra da Tijuca)e Conselheira Nata da Associação Carioca de Advogados Trabalhistas.