ELEIÇÕES NA OAB: “IDEOLOGIA? eu quero uma para viver”

O festejado rotativo “Migalhas” desta semana, estampou notícia sobre a tramitação de Projeto de Lei que cria a figura do advogado profissional individual (o que exerce a advocacia como autônomo), equiparado à sociedade de advogados, para efeitos tributários, desde que não mantenha vínculo de emprego ou participe de sociedade de advogados.

O PL, caso seja aprovado e sancionado, irá alterar os encargos devidos a título de imposto de renda, tornando-os menos gravosos para esses profissionais, na medida em que a alíquota será reduzida de 27,5% (contribuição como pessoa física) para 11,3% (contribuição devida pelas sociedades). Uma boa medida e um alento financeiro para quem atua solitariamente num mercado de trabalho extremamente disputado e competitivo.

Em tempo de eleições nas Seccionais da OAB, todos os candidatos enfatizam que irão desempenhar uma representação corporativa, fundamentalmente pautada na defesa da dignificação e valorização da advocacia, desfiando um rosário de reivindicações voltadas para estes imperiosos objetivos.

A Associação dos Advogados de São Paulo, a AASP, em paralelo às campanhas eleitorais, fez divulgar no início deste mês um bem lançado manifesto no qual conclama a advocacia a pugnar por maior urbanidade nas relações mantidas nos mais diversos ambientes judiciais e extrajudiciais onde atua, inaugurando campanha nacional com este intento.

Sem dúvida alguma, todos nós advogados torcemos para que esta meta seja alcançada e para que haja efetivo empenho, neste sentido, por parte dos novos dirigentes que forem sufragados nos pleitos de novembro de 2012.

No entanto, a distância entre o discurso “politicamente correto” e os pontos programáticos de gestão apresentados por alguns candidatos, por vezes, chega a ser abissal. Algumas falas mais parecem cantos de sereia e as propostas de trabalho que delas decorrem ficam muito próximas do que poderia ser considerado como “propaganda enganosa”.

O sentimento, por conta disto, é de vazio e de inutilidade de certas plataformas políticas que conduzem, por sua vez, infelizmente, ao descrédito quanto às promessas perpetradas por nossos futuros mandatários.

Antigos e renitentes problemas, como os que decorrem das notórias deficiências dos serviços judiciários, e a difícil convivência com a plêiade de membros do poder judiciário, traduzida no constante e crescente desrespeito às nossas prerrogativas profissionais que transformam a nossa rotina forense num verdadeiro inferno, não serão resolvidos em curto prazo. São dificuldades que reclamam soluções profiláticas, a base de muito diálogo entre os que, nas suas funções específicas, são essenciais à administração da justiça, para que possam bem desempenhar, de forma consciente e urbana, as suas atividades e carreirasjurídicas.

Exatamente neste ponto, nos chama a atenção, a ausência de certa sensibilidade no trato de diversas questões relevantes, que tem contribuído, hodiernamente, para a formação de um quadro no qual despontam: a desqualificação, o empobrecimento e o desprestígio da nossa classe. Neste diapasão, as relações mantidas entre e com os advogados, em distintos ambientes de trabalho, acabam se tornando desrespeitosas, gerando, consequentemente, o desapreço da própria sociedade. Como bem diagnosticou a AASP, pouco a pouco vamos perdendo ou abandonando valores que são fundamentais ao próprio exercício profissional.

A problemática inserção dos novos profissionais no mercado de trabalho, com os gargalos formados a partir da necessária aprovação no exame da OAB, suscita enfoque mais corajoso sobre o inexorável fato de que, a cada ano, milhares de bacharéis chegam, na sua grande maioria, ao mercado, totalmente despreparados para a missão de ser advogado, inobstante o crescimento de novas opções de especialidades. Convivemos com gerações de jovens frustrados em seus sonhos e sem perspectivas de desenvolverem um trabalho compatível com a sua formação universitária.

A criação da profissão dos paralegais do direito, para atuarem com limitações e sem os mesmos poderes dos advogados, mas com atuação balizada em regras que os diferenciem, é, por exemplo, uma boa estratégia para por nos trilhos o estágio de direito e ajudar os bacharéis a se manterem com dignidade no mercado de trabalho.

As falhas no ensino jurídico provocando esta situação de desqualificação e de despreparo para o desempenho profissional, não podem ser encaradas de forma isolada, divorciadas da crise instalada na educação superior, tanto no setor público, como privado. Os preceitos constitucionais impondo às Instituições de Ensino Superior a rigorosa observância do princípio da indissociabilidade entre pesquisa, ensino e extensão e consequente atendimento às exigências da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional são, recorrentemente, violados na presente conjuntura de expansão desordenada da educação superior privada, pelo exercício de liberdades absolutas dos conglomerados educacionais e em desacordo com o reconhecimento da função social da educação e da sua imprescindibilidade para os projetos soberanos de Estado, dentre eles, a proteção dos direitos dos cidadãos e a ampla defesa dos jurisdicionados. 

O aviltamento da remuneração da advocacia, como no caso das restrições na fixação dos honorários de sucumbência na justiça do trabalho, bem como a banalização da ruptura, pura e simples, do princípio da imprescindibilidade do advogado, portanto, são alguns assuntos prementes quando falamos em resgatar o prestígio e a respeitabilidade dos advogados. 

São questões que exigem trato cuidadoso, amplo, ademais de uma análise mais profunda sobre as mutações operadas no seio da advocacia. Demandam das lideranças, a apresentação de propostas claras e objetivas que sirvam, ao menos, como alavanca às transformações desta realidade num futuro que esperamos não esteja tão distante, até porque tudo o mais que estamos testemunhando, hoje, são apenas reflexos.

Apesar disto, existem candidatos que ainda persistem em desconsiderar tais questões nos seus programas e plataformas, talvez por entenderem que o seu enfrentamento no processo eleitoral não angarie votos. Pior! Teimam em achar que estes problemas estão fora do contexto político, como se não estivessem por exigir, no mínimo, interferência legislativa.

A abordagem pueril, despolitizada e perfunctória de temas de grande significado para a advocacia tem nos proporcionado algumas campanhas eleitorais regionais absurdamente “mornas”, inexpressivas, nas quais os candidatos não se sentem sequer compelidos a colocá-los em debate. Não conseguem criar um ambiente de saudável disputa ideológica sobre o que deva ser prioritário.

Penso que o papel político das seccionais, neste contexto, ganham especial relevância e, com ela, a performance dos que aspiram nos representar nos conselhos federais, na impossibilidade de se estabelecer uma ampla discussão nacional, através dos debates diretos que estariam melhor inseridos num processo de eleição direta.

Retirar de estados da federação, com reconhecida importância geopolítica, seja do ponto de vista econômico, político, e sócio cultural, que congregam os maiores índices em número de advogados, é esvaziar o próprio papel da OAB e colocar as seccionais, como de praxe, exclusivamente, no campo da execução primordial de programas basicamente assistencialistas. De tão necessário, como consequência desta dura e triste realidade da advocacia, hoje, o assistencialismo acaba sendo utilizado como principal eixo de propaganda eleitoral dos candidatos.

Acredito que muito pode ser feito para mudarmos o quadro atual. Como sou otimista, creio que ainda existem lideranças que podem contribuir, para a construção de um futuro melhor. Para isto basta que estejamos atentos aos discursos e aos programas dos candidatos, agitando, por nossa conta e risco, as nossas consciências na falta de maiores estímulos advindos dos processos eleitorais em curso.

 
Rita Cortez