Reintegração de bancários durante a pandemia: embasamento legal

No mês de março de 2020, com intuito de garantir o emprego e a segurança dos trabalhadores bancários, iniciou-se um longo processo de negociação entre o Comando Nacional de Bancários, representando o movimento sindical, e a Federação Nacional dos Bancos (Fenaban), que representa os interesses dos bancos.

Finalizada a negociação, a Fenaban assumiu compromisso de manter parte da categoria bancária em Home Office e, ao mesmo tempo, foi assumido pelos representantes das instituições financeiras, o compromisso público de não realizar demissões enquanto perdurasse a pandemia.

Em verdade, todas as políticas públicas econômicas desenvolvidas nesse período giram em torno da manutenção dos postos de trabalho. Inclusive, nesse sentido, foi publicada a Medida Provisória 936 de 01/04/2020, convertida na Lei nº 14.020, de 2020, que dispõe sobre medidas complementares para enfrentamento do estado de calamidade pública decorrente do coronavírus.

Apesar das medidas de apoio do Estado e do compromisso de não demitir durante a pandemia do novo coronavírus (Covid-19), os grandes bancos já dispensaram mais de 12 mil trabalhadores este ano. Os bancários e as bancárias reagem à quebra do acordo com campanhas nas redes sociais, tuitaços, manifestações em frente às agências e, também, entrando com ações na Justiça para exigir reintegração aos postos de trabalho.  

Diante desse quadro estarrecedor, com a ocorrência de demissões em massa no mês de outubro, o Sindicato dos Bancários do Município do Rio de Janeiro (SEEB RJ), com o suporte jurídico da AJS CORTEZ, ajuizou mais de 30 ações pleiteando a reintegração dos bancários, tendo como um dos fundamentos o compromisso assumido pelos bancos.

Como resultado desse esforço conjunto, vários bancários tiveram deferida sua reintegração, porém é necessário deixar claro algumas informações sobre este processo de reintegração, que deve ser analisado pelo advogado caso a caso.

Primeiramente, é fundamental destacar que este compromisso de não demissão, foi firmado para o caso de dispensa sem justa causa. Além disso, ele não se confunde com convenção coletiva de trabalho ou acordo coletivo, estes últimos estão previstos no artigo 611 da CLT e possuem caráter normativo produzindo obrigações perante as partes pactuantes.

Portanto, o compromisso firmado pelos bancos de não demissão no mês de março, não faz parte desta categoria jurídica trabalhista, porém foi publicamente manifestado pelos representantes dos bancos, sendo noticiado em vários veículos de imprensa. Inclusive, algumas instituições financeiras, como por exemplo, o Banco Bradesco, incluíram este compromisso no seu regulamento interno.

No nosso entendimento, esta manifestação de  vontade emitida pela instituição financeira, principalmente ao inserir no seu regulamento interno o compromisso de não demissão,  gera obrigação contratual que deve ser respeitada, sob pena de violação dos princípio da inalterabilidade contratual, princípios da isonomia, bem como o princípio da continuidade da relação de emprego previsto no artigo 7º, I da Constituição Federal que determina que são direitos dos trabalhadores a “relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa”.

Nesse sentido, deve ser lembrado que estas instituições financeiras também possuem um compromisso com os princípios constitucionais que regem a ordem econômica.  A Constituição Federal expressamente prevê que a “ordem econômica” é fundada na “valorização do trabalho humano” e possui a finalidade de “assegurar a todos uma existência digna”, indicando no seu artigo 170 princípios que devem ser observado pela empresa, estando entre eles a “busca do pleno emprego” e “redução das desigualdades regionais e pessoais”.

Também importante destacar a recomendação nº 205 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), que trata de crises decorrentes tanto de conflitos como de catástrofes, e que se aplica à atual pandemia.  A recomendação fornece aos países-membros, como o Brasil, orientações, entre outros pontos, de manutenção e promoção do trabalho decente, sendo que o primeiro a ser destacado é a “estabilização dos meios de subsistência e da renda, através de medidas imediatas de emprego e proteção social”.

Não obstante da manifestação pública de não demissão, dos princípios jurídicos supracitados e da recomendação da OIT, os bancos continuam demitindo seus funcionários sem justo motivo, aumentando o índice de desemprego do país.  O Banco Bradesco, por exemplo, somente no mês de outubro demitiu 566 bancários, conforme o levantamento realizado pela Contraf-CUT, mesmo tendo o maior lucro da América Latina no primeiro semestre de 2020, superando o Banco Itaú e o Santander[1].

A nosso ver, este tipo de política dos grandes bancos, colide não só com o compromisso junto ao trabalhador, mas também com o compromisso com a justiça social previsto na Constituição.

A pandemia do COVID-19 ainda não acabou. Enquanto ela perdurar, acreditamos que as grandes instituições financeiras precisam reafirmar as suas políticas de responsabilidade social, a fim de assegurar a vida digna dos seus trabalhadores, neste momento de crise que assola o país e o mundo.

Assim, em conjunto com atuação do Sindicato dos Bancários do Rio, estamos trabalhando para que a Justiça reconheça a necessidade de manutenção do emprego dos bancários durante a pandemia de Covid-19, como forma de amenizar suas consequências. Algumas decisões foram favoráveis nesse sentido, como, por exemplo, a decisão proferida recentemente pela Juíza da 9º Vara do Tribunal Regional do Trabalho do Rio de Janeiro, publicada no dia 26/11, onde destaca-se o seguinte entendimento:

“(…) Resta evidente, portanto, que no momento há limitação à “denúncia vazia” do contrato de trabalho, ou seja, da dispensa sem qualquer motivação, uma vez que o compromisso público assumido pelo empregador vai ao encontro de direito garantido constitucionalmente, e que tem o intuito de preservar a fonte de sustento do trabalhador no curso da pandemia COVID-19, que acarreta excepcional risco à integridade do trabalhador que perde abruptamente o emprego. Por outro lado, é notório que o ramo de atividade da Reclamada, ou seja, os Bancos não tiveram perda de lucratividade significativa a ponto de deixar de cumprir com seus compromissos, inclusive aqueles declarados publicamente com entidades sindicais e com seus empregados, ainda mais em se tratando de compromissos que garantem a eles, a subsistência, por ser o emprego a única fonte de seu sustento. (…) “

As reintegrações já deferidas evidenciam a conduta irregular dos Bancos. O restabelecimento dos contratos dos bancários irregularmente dispensados fará valer o compromisso maior para com a Justiça Social.


[1] Disponível em:  https://economia.uol.com.br/noticias/estadao-conteudo/2020/08/28/bradesco-tem-o-maior-lucro-da-america-latina-no-1-semestree-supera-o-itau.htm e https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2020/08/bradesco-e-empresa-latina-que-mais-lucrou-no-primeirosemestre.shtml –